Isto é uma confissão que acho vale a pena fazer…
Sim, todos os dias posso ser atropelado.
Todos os dias, duas vezes ao dia, tenho a sensação que, em num momento qualquer, num canto qualquer, sem importar o nível de precaução ou a aplicação de todas as regras de trânsito e do tempo de experiência ao dirigir que tenho eu, sempre serei atropelado.
Saio de minha casa e pedalo até o primeiro cruzamento, que pode para pedestres ou carros, e desde esse instante sinto que um cretino qualquer vai aparecer do nada e passará pelo sinal sem importar que ele esteja vermelho, que pra mim verde, e que esse daltonismo conceitual vai-me terminar mandando a um hospital. Tomara que com algum nível de consciência, para dizer “atropelaram-me e aqui vou ficar um tempão”.
Isso penso sempre em todos os cruzamentos durante os 8 quilômetros de caminho que existe até minha oficina mecânica. Em todos os cruzamentos e durante toda a viagem estou pensando que algum motorista louco vai preferir seu próprio ego que a segurança dos outros, e que por essa razão eu não vou poder chegar em minha casa a tarde e abraçar meus, a não ser que eles vão recolher meus pedaços em algum lugar desconhecido com cheiro a álcool e paredes brancas.
Isto acontece o tempo todo, cada vez que estou pedalando na minha cidade; na ida e a volta. Esses trajetos de desesperança que afogam-me quando, depois de chegar em minha casa cada dia e depois de cair a ficha de que ainda estou vivo; fico pensando que sim, foi possível viver mais outro dia. Minha vida foi prolongada mais um dia, só para ter um novo teste no dia seguinte.
Faz um que tempo comprei uma apólice de seguro; não foi pelas frases do vendedor que me tinha aborrecido com tanta propaganda. Foi porque confirmei que um acidente de bicicleta sim era coberto pelo seguro de vida, e que pelo menos minha família ficaria com alguma grana para compensar pela minha ausência. Fiz o vendedor repetir, palavra por palavra, “um acidente de bicicleta sim é coberto por sua apólice de seguro, seja nas condições que for, andar de bicicleta não é um esporte de alto risco senão uma atividade do dia a dia”. Só por esta condição o paguei e vou continuar pagando. Porque minha cidade está cheia de pessoas totalmente loucas que um não sabe quando, por uma curva mal feita de algum motorista, vamos terminar numa queda.
E o pior é que se tivermos memória sempre temos um “quase foi dessa vez”. Em geral as cidades sulamericanas são um problema para os ciclistas, mas tem quem assegurar em dizer que “a nossa cidade é um exemplo para o mundo”. Perdão, mas não. Em geral a cidade é um exemplo de como tem-se feito grandes coisas os últimos anos para desenrolar infraestrutura para as bicicletas, mas ao mesmo tempo como tem-se feito muito pouco para dizer a todos “galera, veja aí vai uma pessoa de bicicleta e temos que lhe proteger”. Assim nós ficamos igual que ao “Dom Quixote de la Mancha”, com a tarefa de ter que brigar contra monstros de duas toneladas a velocidades altas em lugar de atacar moinhos de vento. Não importa, eu vou seguir deslocando-me de bicicleta e rogando aos santos. Acho que por isso, por conhecer tantas pessoas que sofreram acidentes, é que ninguém ainda ter me atropelado.
Em 1899 Oscar Wilde disse: “O carro ainda é um luxo reservado aos ricos, mas ainda que no futuro seu preço seja menor, jamais vai chegar a ser um meio de transporte tão popular como a bicicleta.” (The Literary Digest, 1899.) Esse momento tem chegado e deveríamos ter evoluído para não sofrer os impactos de seus efeitos negativos. Temos que ter as claras estas coisas e não estar dispostos a simplesmente rende-nos ante as jaulas de aço que viajam a altas velocidades e que com um ar trocista passam pelas ruas. Eu sou de carne e osso e estou exposto, mas sempre pensando em propôr soluções para que a mobilidade nas cidades possam melhorar.
NOME: Edgardo Jorge Sanrame
CIDADE: Córdoba – Argentina
PROFISSÃO: Consultor de Sistemas, Desenhista de peças de aço
CONTATO: ejsanrame@gmail.com
ESCREVE SOBRE: Bicicleta e suas variantes
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