Obesidade e Ciclismo – Os dois lados da mesma moeda

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A algum tempo atrás escrevi um artigo intitulado “Ciclismo e Obesidade” para o meus sites (www.carlosmenezes.com.br e www.biocicleta.com.br que posteriormente foi publicado na edição impressa da Revista Bicicleta e na edição Revista triângulo Esportes.

Preciso confessar que esse é um assunto ao qual não tenho muita facilidade em abordar. Primeiro por ser um assunto amplamente discutido em programas de TV, Jornais, Revistas, blogs, etc. E discutidos nos mais variados pontos de vista, seja de doutores acadêmicos no assunto, que em sua maioria nunca foram “gordos” ou por “gordos” que convivem com a obesidade ou ainda por “ex gordos” que relatam suas experiências de emagrecimento.

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FOTO 01: Em 2006, quando ainda participava de competições

Diante da avalanche de informações, receitas, teses, vivências, experiências, dicas, opiniões, palpites, preconceitos, expectativas, busca por um milagre, rótulos, tentativas, marketing, programas, protocolos, artigos, produtos, tratamentos, fica difícil querer apresentar algo que nunca tenha sido dito anteriormente em algum lugar.

Para a ciência, uma pessoa que possui IMC acima de 25 apresenta um sobre peso, e uma pessoa que possui IMC acima de 30 está obesa. O que nos leva a entender é que alguém se torna obeso quando seu peso atinge uma certa proporção.

Sei que isso é controverso e polêmico, mas acredito fielmente que: obesidade é uma doença congênita e hereditária. Pessoas obesas, nascem gordas, vivem gordas e pensam gordas.

Outro ponto que acredito que também valha a pena ser abordado é um certo Bullying social que coloca o obeso na situação de “engraçadinho”, “limitado” entre outros.

Geralmente os obesos ouvem frases do tipo:

 “fulana tem o rosto tão bonito, será porque ela não emagrece. Se fizesse uma força ficaria perfeita”

 “ ciclano precisava criar vergonha na cara e perder um peso”

 “mesmo sendo gordo você pratica determinado esporte tão bem, se perdesse um peso ficaria imbatível”.

Minha pergunta é: as pessoas que soltam comentários nesse padrão, já foram obesas alguma vez na vida?

Quem é dependente do fumo, do álcool, da comida (seja restrição ou hipercalórica) não fazem isso por opção. Fazem isso porque o fisiológico é mais forte que seus psicológicos. Resumindo, ninguém se torna obeso da noite para o dia. Existe um processo ao qual vai se desencadeando e os quilos vão aumentando.

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FOTO 02: em 2011 fazendo parte do grupo de redatores da Revista Bicicleta

Para fundamentar um pouco vou relatar minha história. Venho de uma família de 11 tios, com amplo histórico de Diabets, Hipertensão e Obesidade. Cresci em meio a comida farta, hipercalórica e gordurosa, mas sempre com alimentação (meio) saudável e sempre praticando esportes. Com a entrada na faculdade, mudança de cidade, rotina e idade, os quatro anos de graduação e dois anos de mestrado me renderam um ganho corporal de 10 quilos. Mas nada preocupante, já que anteriormente estava mais para o porte físico de um jogador de palitos.

De volta ao mercado de trabalho e retomando a rotina de pratica esportiva e alimentação (agora com dieta saudável), o peso se restabiliza.

Mas é possível perceber que antes quando saia de férias e ganhava ali uns 2 a 4 quilos, em poucas semanas após restabelecer a rotina, esses quilos a mais eram derretidos. Mas agora com o passar dos anos esses quilos a mais adquiridos a cada descuido se tornavam cada vez mais difíceis de serem perdidos. Até que um descuido me levou ao overtrainning (assunto que vale um capitulo a parte) e fez com que eu parasse por completo com os treinos de bike e musculação. O resultado foi que em menos de dois anos meu corpo acumulou mais de 10 quilos.

Para agravar a situação, uma grande mudança na carreira profissional me trouxe para trabalhar com Bike Fit. Agravar? Sim. Imagine então a pressão e preconceito “silencioso” despejado sobre a imagem de quem trabalha com atletas:

_ “você não pedala né?” Pedalo sim. “Ah”

_ “nossa quando agendei com você imaginei um atleta me recebendo. ”

_ “um dia que formos fazer um treino mais light com menos subida, vou te chamar para ir conosco. ”

_ “você trabalha com Bike Fit? Qual corrida você já venceu. ”

Ou mesmo durante as várias tentativas de retornar ao pedal ouvir:

_ “cara, você é muito forte, se você emagrecer vai ficar bom”

_ “andar no seu vácuo e bom que dá até sombra. ”

_ “na descida você passou igual uma carreta na banguela”

_ “se você não empurrou não subida eu também consigo”

_ “pedalar não emagrece? ”

_ “você pedala para poder comer? ”

_ “esse final de semana nós não vamos pedalar” (ai você sai para pedalar e cruza com os mesmos no caminho)

Interessante é que a maioria dos obesos, para se defenderem, acabam entrando na brincadeira, na maioria das vezes se tornando os gordinhos engraçadinhos e fazendo essas piadas consigo mesmos. Mas no fundo, esses comportamentos vão minando a auto estima, a vontade de mudar, e vão se entregando, desanimando e acomodando com a situação.

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FOTO 03: antes e depois do tratamento

O mesmo esporte que muda vidas, que transforma, que desafia, que supera, que impulsiona, apresenta um lado negro e silencioso que mata lentamente aqueles que não conseguem se estabelecer dentro dos padrões. Basta circular pelas academias e verificar qual é a porcentagem de obesos em aulas de ciclismo indoor, musculação, natação, dança, etc e qual sua continuidade ao longo dos anos. Pouco se ouve falar a respeito de programas para receber essa demanda e estimulá-los a encontrar um caminho para mudança. É fácil trabalhar com corpos sarados ou que tenham facilidade em facilidade em se modificar, mas poucos profissionais tem a habilidade, ou talvez disposição, em resolver esses problemas.

Posso exemplificar citando algumas experiências pessoais com nutricionistas:

Experiência 01: Certa vez dediquei três meses seguidos a uma dieta restritiva e a cada retorno o corpo não respondia eu ouvia do profissional: “tenho certeza que você não está seguindo a dieta que te passei.” Só eu sei a fome e vontade de comer, senti nesses 3 meses os quais segui tudo a risca, pra ser chamado de mentiroso.

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Experiência 02:  Outra vez seguindo todas as orientações da profissional voltei depois de 30 dias para o acompanhamento e ela me perguntou: “você não perdeu nenhum grama. Vai querer continuar o tratamento?” Eu pergunto: Se o profissional deixa claro na fala que desistiu de você, como você pode ter animo para continuar?

Experiência 03: Um outro profissional me sugeriu da noite para o dia uma dieta de menos de 500 calorias. Se eu conseguisse comer somente aquilo, certamente não estaria procurando por ajuda.

Experiências como essas nos fazem sentir desmotivados. Se ao procurar ajuda, recebo uma carga negativa, mais difícil torna-se o fardo.

Quem nunca foi obeso, nunca irá entender do que estou falando, e dirá que “gordo” precisa tomar vergonha na cara

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FOTO 04: antes e depois do tratamento

e mudar de vida. Mas quem é ou já foi obeso sabe do quanto essas palavras minam uma pessoa. Isso sem dizer daquele bullying silencioso, praticado com olhares e gestos silenciosos.

Um fato interessante e que também vale a pena ser abordado é que quando ouvimos um “ex gordo” relatar sua experiência com a perda de peso e retomada da qualidade de vida isso nos soa como alguém que tem superpoderes. Alguém que conseguiu abrir mão dos prazeres da vida gastronômica, alguém que deixou de sentir os sabores das gorduras, açucares e sofrem para manter a forma, quando na verdade a mudança do hábito alimentar é a última a acontecer e ela não é causa, e sim consequência. Quando a “doença” obesidade é tratada com seriedade e os resultados começam a aparecer, a necessidade por esses alimentos deixa de ser vital e o prazer alimentar ressurge de uma maneira mais apurada.

Dentro da minha formação acadêmico/cientifica aprendi que para tudo precisamos de:

  • um objetivo,
  • uma boa revisão de literatura para nos fundamentar,
  • um método e
  • uma boa e fundamentada discussão dos resultados.

A partir daí e amparado pela Medicina Integrativa que acabará de me ser apresentada, em agosto de 2016, iniciamos a sequência de consultas, exames, diagnósticos, para traçar um plano de tratamento. Nesse caminho um dos exames apresentou resultados alarmantes: deficiência de nutrientes, baixos níveis de hormônios, excesso de gordura visceral, altos índices glicêmicos e resistência à insulina, essa que por sua vez trabalhava como uma ancora na perda de peso.

Por outro lado, a notícia boa: um dos exames detectou que alguns grupos de alimentos desencadeavam em mim, micro processos inflamatórios que por sua vez desencadeavam retenção de agua e aumento do metabolismo, gerando uma grande necessidade de ingestão calórica, cansaço, desanimo e consequentemente dificuldade para praticar esporte e perder peso.

Minha formação em Ciências Naturais e da Saúde permitiu-me entender com facilidade que, assim como um agrônomo quando vai semear a terra, precisa fazer uma profunda analise de solo que permite a ele fazer as correções de pH, aumentar a quantidade de nutrientes deficitários e neutralizar os nutrientes em excesso para somente depois disso com a terra preparada poder plantar, eu precisava preparar meu solo para voltar a produzir bons frutos.

Atualmente dentro da minha atividade profissional em Bike Fit, acredito que preciso sentar, ouvir, avaliar, analisar, entender e somente então PERSONALIZAR o ajuste as necessidades do atleta de maneira única e exclusiva. E acreditando nisso, preciso vivenciar isso em todos os planos da minha vida.

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Foto 06: antes e depois do tratamento

Assim de agosto a dezembro o terreno foi preparado e desde então, agendei com meu futuro treinador de bike para que retomassemos os treinos em Março/2017.

Dia primeiro de Janeiro parti para o choque regido pela batuta do conhecimento e experiência da Dra Marcela Menezes. Confesso que nunca em minha vida dediquei tanto a um tratamento. Mas durante essa fase de preparação discutimos alguns pontos que foram fundamentais para o sucesso e obtenção do resultado desejado.

Nesse momento, uma reprogramação mental me ajudou muito a organizar a mente para passar com tranquilidade por todo período de tratamento. Quando descobrimos uma doença, fazemos de tudo para curar. Muitas vezes temos que tomar remédios amargos, mas continuamos tomando na certeza que são fundamentais para a cura. Alguns desses remédios desencadeiam fortes efeitos colaterais e mesmo assim continuamos tomando na certeza de que os benefícios são maiores que os estragos que eles geram. Outro ponto é que quando estamos doentes e internados, deixamos de trabalhar, gastamos muito dinheiro, comemos comidas as quais não gostaríamos de estar comendo e passamos por uma restrição temporária, sempre focado na melhoria do quadro clinico. Em casos mais graves de tratamentos longos os pacientes costumam sair debilitados, fracos, abatidos, mas curados.

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Pensando nisso conclui: “porque então esperar uma doença para me submeter a isso tudo?” “Porque não me submeter a tudo isso enquanto tenho saúde?” Foi então que diminui a carga de trabalho, restringi a dieta, me submeti a reposição das vitaminas por meio de medicamentos e estimulo do equilíbrio hormonal por meio de alimentos. Repito: “nunca me dediquei tanto a algo em minha vida, com tamanho responsabilidade, assiduidade e afinco”. A cada quilo perdido uma vitória. Com a retirada dos alimentos inflamatórios a cada dia foi possível ver o corpo mudando, e a cada quilo perdido a mudança de paladar e cada vez menos necessidade de alimentos “não saudáveis” Alimentos com composição química sendo substituídos por alimentos com ingredientes. Como nos acostumamos a comer “porcarias”. Aos poucos o prazer de comer bem, sentir-se saciado, saboreando o verdadeiro sabor dos alimentos, sentindo-se cada vez mais leve, forte, vivo.

Foram 59 dias de tratamento, 17 quilos a menos que me proporcionaram no dia 01 de março retomar os treinos de bike devidamente acompanhados por um treinador e já com dois desafios marcados para a última semana de maio e primeira de junho.

Hoje comemoro a participação no “Desafio 3 horas de Interlagos” e “Brasil Ride Road” na certeza que estou de VOLTA A VIDA.

Hoje tenho comigo que quando você se propõe a algo, se organiza mentalmente, se prepara e executa, o resultado é um só. Portanto tenho comigo que nada, mas absolutamente nada é capaz de nos impedir. Muito pelo contrário hoje me sinto capaz de fazer QUALQUER coisa a qual me dispor a fazer.

Acredito que obesidade é uma “doença” séria e que assim como o alcoolismo posso ter uma recaída a qualquer momento e que para isso preciso ter ao meu lado profissionais sérios e comprometidos que tenham interesse em mergulhar no problema identificar a causa a tratar de maneira personalizada.

Tenho a certeza que de todos os ganhos o menor deles é a estética ou a perda de peso por si só, mas os benefícios agregados são imensuráveis.

Obrigado Dra Marcela Menezes pelo profissionalismo que conduziu e conduz meu tratamento em todas as suas etapas. A Dra Lira, Dra Silvia, Dr Glauber, Mauricio por nos direcionar intelectualmente e pela motivação nesse projeto. Ao Willian Talento pela motivação constante. Ao Heitor por encarar esse desafio e agregar cientificidade ao extremo em meus treinos. Esse é só o primeiro passo em direção aos objetivos traçados.

redator carlos menezes
NOME: Carlos Menezes
CIDADE: Uberlândia/MG
PROFISSÃO: Fitter / Prof. Universitário / Colunista da Revista Bicicleta
ESCREVE SOBRE: Bicicleta e Cotidiano

 

"Beleza é bom, mas conteúdo é fundamental"